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segunda-feira, 6 de abril de 2009

Friedrich Ratzel e a teoria do "Lebensraum" (espaço vital)

“Toda a vida do Estado tem as suas raízes na terra, numa terra marcada por três elementos fundamentais: a situação (Lage), o espaço (Raum) e a própria Fronteira (Grenze).”

Friedrich Ratzel

Professor Doutor Luís Manuel Vieira de Andrade
Cláudio Borges Almeida

Biografia

Friedrich Ratzel nasceu em 30 de Agosto de 1844, em Karlsruhe na Alemanha.
Filho de um chefe das ordenanças do Grão-ducado de Boden, região da Alemanha, licenciou-se em farmacêutica e Zoologia. Depois de terminar o curso na Universidade de Heidelberg, publicou, em 1869, o seu primeiro livro - um texto sobre Darwin e a Teoria da Evolução. Em 1870 alista-se nas tropas alemãs que combatem a França de Napoleão III.
Ratzel fez várias viagens que fariam dele um geógrafo (Itália, Estados Unidos da América, China). As primeiras viagens foram ao longo do Mar Mediterrâneo, sobre as quais publicou relatos no Kölnische Zeitung, jornal que lhe possibilita emprego como jornalista e repórter de turismo, obtendo, desta forma, os meios necessários para viajar pelo mundo.
Em 1874 Ratzel desloca-se aos Estados Unidos e México numa viagem decisiva para a carreira deste intelectual alemã. Dedica-se ao estudo da colonização alemã nos Estados Unidos e no resto da América do Norte, especialmente na região centro – oeste do continente, chegando à conclusão que [1]“o homem vivia sujeito às leis da natureza com propagação das ideias deterministas”. Ratzel salientava a existência de uma grande influência do meio natural sobre o homem.
É na sequência daquela visita que são publicados os seus dois grandes trabalhos de cariz geográfico: “Quadros das cidades e da civilização norte-americanas” (1874) e “Os Estados Unidos do Norte da América” (1878-80)
Antes, em 1868, já havia publicado “O Ser e o Devir no Mundo Orgânico”, e mais tarde “Quadros da Guerra com a França”, no qual relata a campanha militar alemã na guerra de 1870/71com a França.
Em 1875 regressa à Alemanha e torna-se professor de Geografia na Universidade de Munique, sendo mais tarde promovido a professor com “livre - docência”.
A acção e o pensamento de Ratzel insere-se, plenamente, no contexto fortemente nacionalista da sua época, envolvendo-se, apaixonadamente, nos debates sobre o papel da Alemanha no mundo.
Em 1882 é publicada a obra “Antropogeografia”, abordando a evolução dos povos da Terra, as relações entre a civilização e aspectos de natureza demográfica e os métodos de representação cartográfico das deslocações humana, e, em 1897, “Politische Geographie” (Geografia Política), na qual relata a geografia dos Estados, do comércio e da guerra, que mais tarde, no início do século XX, vem a servir de inspiração ao cientista político sueco Rudolf Kjellén, no surgimento do termo "Geopolítica".
Friedrich Ratzel é considerado o fundador da Geopolítica Alemã.
Ratzel morre no dia nove de Agosto de 1904 na cidade alemã de Ammerland. Após a sua morte as suas obras influenciaram uma série de autores que lhe sucederam, como Rudolf Kjellén, Karl Haushofer e Mackinder.

Contexto Histórico

Friedrich Ratzel viveu numa época atribulada da Alemanha.
Ratzel desenvolve o seu pensamento num contexto nacional e internacional muito próprio, em que a Alemanha, liderada por Bismarck, unificava-se como Estado e assume-se como potência mundial.
Filosoficamente, [2]“a Alemanha era a síntese do primado da razão de Kant, do determinismo e materialismo histórico de Hegel e do romantismo místico e nacionalista de Herder, Fichte e Treitschke”.
Se durante aquele período o poder ficara nas mãos dos “junkers” - grandes proprietários das terras (representantes da ordem feudal) e disperso pelas várias unidades confederadas, com a tardia adopção das novas medidas capitalistas condicionava-se o desenvolvimento económico, social e político da Alemanha, em contraste com os países mais desenvolvidos da época.
É com a vitória da Prússia sobre a Áustria, na Guerra Austro – Prussiana, que a Prússia se torna a potência hegemónica na Alemanha. A fase seguinte consistiria em fazer com que outros estados aderissem ao seu projecto de guerra contra a França por esta se opor à integração dos Estados do sul na unificação e formação do novo país. Conseguiu-o plenamente, também derrotando a França e Napoleão III. O chanceler prussiano Bismarck inicia, assim, o processo de unificação da Alemanha
Com os novos ideais nacionalistas que se espalhavam por toda a Europa e com a afirmação dos Estados e dos Impérios coloniais, as características do novo Estado Alemão, ou seja, uma organização militarizada da sociedade e do Estado herdada da Prússia e um expansionismo latente, podem ser explicadas pela situação da Alemanha no contexto europeu. Isto é, o país emerge como mais uma unidade do capitalismo, só que sem a presença de colónias, há semelhança da França, Holanda, Inglaterra e mesmo Portugal, em que estes eram detentores de impérios coloniais. Desta forma, havia uma necessidade de expansionismo à medida que procedesse ao seu desenvolvimento interno.
A deterioração do Estado é maior quando a Alemanha sufoca nas suas fronteiras, sem espaço para se expandir e para “respirar”. Rodeada por território já habitado, a Alemanha sente a falta de terras, de recursos de mercado e de matérias-primas. Contudo, também receia pela sua vulnerabilidade. A crise económica verificada em 1873, após a vitória sobre a França de Napoleão, faz nascer a ambição de procurar espaços para se expandir.
O capitalismo alemão carecia de soluções práticas. Havia a necessidade de recorrer à geografia como forma de resolver o problema.

A Geopolítica

A Geopolítica é uma disciplina das Ciências Humanas que articula a Ciência Política com a Geografia. Considera o papel político internacional que os Estados desempenham em função das suas características geográficas - a localização, o território, a posse dos recursos naturais e o contingente populacional. É o estudo da estratégia, da manipulação, da acção. Estuda o Estado enquanto organismo geográfico, ou seja, é o “estudo da relação intrínseca entre a geografia e o poder ”. É o método de análise que utiliza os conhecimentos da geografia física e humana para orientar a acção política do Estado.
A Geopolítica é a ciência feita na decorrência das condições geográficas, o que é um verdadeiro paradigma da disciplina que nasceu historicamente do ramo da política.
Foi Rudolf Kjellen quem, pela primeira vez, deu o nome de geopolítica como uma parte política.
O Estabelecimento de conexões da geografia política vem desde a Antiguidade Clássica. Na Grécia Antiga, as observações produzidas por diversos pensadores não tiveram qualquer intenção teorizante sobre o assunto. Eram de carácter casual e intuitivo. É naquelas observações que podemos integrar algumas relações ambientais produzidas por Platão, Aristóteles e Heródoto, desligadas da “acção” e do “devir”. Alexandre da Macedónia recorre à geografia no reconhecimento das terras mal conhecidas para avaliar as possibilidades de sustentação dos exércitos e a natureza da administração e implementação. A geografia passa a ter uma utilização minuciosa no sentido estratégico do Estado e ao serviço da própria política. Estrabão afirmava que [3]“a geografia é obra política mais do que cientifica. Deve servir os interesses dos governantes. Também se deve ligar as particularidades físicas e atmosféricas que explicam em parte a vida e o comportamento dos habitantes, bem como os recursos económicos, os modos de vida, as tradições ancestrais e os usos e costumes que revelam muitas vezes os acasos da existência”.
A geografia desenvolveu-se a partir dos descobrimentos marítimos portugueses e espanhóis e o mundo ficou a ser mais conhecido. Conquistaram-se territórios em África, na Índia e nas Américas. Instalaram-se pontos chaves estrategicamente posicionados para a defesa e controlo do comércio marítimo com esses novos mundos. Desenvolveu-se uma política expansionista. A geografia passa a constituir um verdadeiro saber ao serviço dos governantes e do poder.


http://paralelosocial.blogspot.com/2008/01/geopoltica-e-geoestrategia.html


Friedrich Ratzel vai ser responsável por novas formulações no processo de sistematização da Geografia. Este alemão publica suas obras nos últimos anos do século XIX, e vivencia também uma nova realidade histórico-política da Alemanha. Diferente dos outros participantes dos ramos geográficos como Humboldt e Ritter que vivenciaram o aparecimento do ideal de unificação alemã, Ratzel vai estar presente na constituição real do Estado nacional alemão. Com essa diferença histórica em que ele vive, suas formulações só são possíveis de serem compreendidas em função de determinada época e sociedade. É a partir de 1754 que entre os alemães, a Geografia inicia o seu caminho para o status científico. Surgem na verdade, duas vias para esse estudo: a "geografia político-estatística" e a "geografia pura", sendo que Ratzel virá a se relacionar com esta última. A "geografia político-estatística" define o papel da geografia como sendo o de montagem do painel mais amplo e sistemático possível de uma dada conjuntura, tomando por base territorial sua unidade político regional. Enquanto a "geografia pura" assenta as suas bases numa unidade regional criando critérios que mostram os limites naturais do terreno. A geografia no geral na Alemanha, passa por um grande processo de transformação, sem que haja uma ruptura na questão do saber institucionalizado. Ao contrário, o que acontece com a geografia na verdade, é uma mudança com o intuito de servir aos propósitos daquilo que viria a movimentar a Alemanha: o capitalismo. Antes de mais nada, se faz necessário compreender a história da unificação alemã para que somente assim haja uma maior compreensão da geografia de Ratzel. A Alemanha daquele época tinha como características, as tardias relações capitalistas que se conciliaram com as estruturas feudalistas. Observa-se também que o poder se encontrava disperso pelas várias unidades confederadas, devido ao fruto de dominações locais. Havia uma luta pela hegemonia entre a Prússia e a Áustria. Na verdade dois fatores contribuíram de forma decisiva para a unificação, a Confederação Germânica e a repressão aos levantes populares de 1848. Estes levantes populares, tiveram o apoio também das classes dominantes, estabelecendo-se assim, ligações políticas e militares, devido ao fato de que essas massas populares desejarem a unificação do Estado. Em decorrência disso, a disputa entre Prússia e Áustria tornou-se cada vez mais acirrada, sendo que a vitória prussiana iria determinar as características do Estado. Ou seja, uma organização militarizada da sociedade e do Estado. O poder do Estado alemão naquele período ficara nas mãos dos junkers ( proprietários de terras, representantes da ordem feudal ), o que condicionou a formação de uma imensa monarquia burocrática. Esta unificação reacionária juntamente com a organização militarizada e um expansionismo latente do Estado alemão são explicadas pela situação da Alemanha no contexto europeu. Isto é, o país emergia como mais uma unidade do centro capitalista, só que sem a presença de colônias. Dessa forma, a necessidade de expansionismo aumentava a medida em que um desenvolvimento interno se consolidava e o estímulo a fazer a geografia, ou seja, a se pensar nos espaços geográficos. O capitalismo alemão carecia de soluções práticas, não mais apenas de informações. As idéias virão então da geografia, que vai acabar influenciando outros ramos de estudos. Se para o capitalismo inglês e francês o papel da geografia é de lhes viabilizar a expansão colonial, para o capitalismo alemão seu papel será o de dar respostas a questões ainda preliminares, ou seja, a unidade alemã. A partir daí a figura de Ratzel começa a se destacar no cenário alemão. Ele vai ser o representante engajado a um projeto estatal, em que vai propor uma legitimação do expansionismo de Bismarck ( primeiro-ministro da Prússia e do Império Alemão). E é com a sua obra publicada em 1882, Antropogeografia - fundamentos da aplicação da Geografia à História, que Ratzel assim funda a Geografia Humana. Nesta obra, Ratzel procurou definir o objeto geográfico como o estudo da influência que as condições naturais exerciam sobre a humanidade. As influências na qual Ratzel afirma, atuariam nos aspectos fisiológicos, nos psicológicos dos seres humanos e através deles, na própria sociedade. Outro aspecto a salientar, é que a natureza influenciaria na constituição social, devido a riqueza que ela proporciona. A natureza também poderia possibilitar a expansão de um povo, ou criar barreiras, assim como o isolamento ou uma possível mestiçagem. Ratzel fez um estudo minucioso sobre as influências geográficas criticando as duas posições mais discutidas: a que nega essas influências e a que visa estabelecê-la de imediato. Para ele, as influências vão ocorrer através das condições econômicas e sociais. Ratzel retirará de Spencer, um importante pensador, a noção da sociedade como um organismo e a concepção naturalista do desenvolvimento da sociedade humana. Sendo assim, a cadeia de raciocínio como veremos é basicamente linear, começando com os homens, estes agrupando-se em sociedades, as sociedades transformando-se em Estados e o Estado em um organismo. Sendo que a Sociedade e o Estado são frutos orgânicos do determinismo do meio. Segundo Ratzel, a sociedade como um todo, é um organismo que mantém relações com o solo, nas suas necessidades de moradia e alimentação. O progresso significa um maior uso do meio, ou seja, uma relação mais íntima com a natureza. Quanto maior o vínculo com o solo, tanto maior seria necessidade de manter a sua posse. Daí advém que a sociedade cria o Estado, segundo Ratzel. O Estado é um organismo em parte humano e em parte terrestre. O Estado é assim porque possui uma relação necessária com a natureza, ou seja, os Estados necessitam de espaço como as espécies, por isso lutam pelo seu domínio. A subsistência, energia, vitalidade e o crescimento dele têm por motor a busca e conquista de outros espaços. A análise das relações, entre o Estado e o espaço, foi um dos pontos privilegiados da Antropogeografia. Para Ratzel, o território representa as condições de trabalho e da própria existência da sociedade. Por outro lado, a necessidade de aumentar as expansões territoriais são consequências do progresso, ou seja, Ratzel vai justificar suas colocações com o conceito de "espaço vital", em que este representa uma proporção de equilíbrio entre a população e os recursos oferecidos para que se possa suprir as suas necessidades. Dessa forma, é possível ver a vinculação entre o projeto imperial alemão e as formulações de Ratzel para a sua época, legitimando assim o imperialismo bismarckiano. A Geografia proposta por Ratzel privilegiava o ser humano, e abriu várias frentes de estudo, valorizando assim questões referentes à História e ao espaço geográfico como a formação dos territórios, a dispersão dos homens no globo, as distribuições dos povos e raças, seus isolamentos, além de estudos que se referiam as áreas habitadas. Tudo isto, baseado nas influências que Ratzel propôs anteriormente. Ele manteve a idéia da Geografia como ciência empírica, cujos procedimentos de análise seriam a observação e a descrição, ao mesmo tempo em que proponha ir além da descrição, buscando a síntese das influências na escala planetária. De resto, ele manteve a visão de um naturalista, ou seja, reduziu o homem a um animal ao não diferenciar as suas qualidades específicas; dessa forma propôs o método geográfico como análogo as demais ciências e concebia a causalidade dos fenômenos humanos como idêntica a dos naturais. Assim, Ratzel ao propor uma Geografia do Homem, entendeu-a como uma ciência natural. Os estudos de Ratzel influenciaram muitos outros autores, sendo que suas colocações foram bastantes radicalizadas constituindo-se assim a "escola determinista", ou do "determinismo geográfico". Contudo, muitos desses estudiosos, empobreceram as teorias de Ratzel, por excluírem as influências geográficas, ou seja, eles estavam buscando evidências empíricas para as teorias formuladas. Nomes como E. Semple e E. Huntington estiveram presentes nesta escola. A primeira apresentou teorias que relacionava as religiões com os relevos; nas regiões planas, predominavam as religiões monoteístas; nas regiões acidentadas, as religiões politeístas. Já para Huntington, ele determinou que as dificuldades do meio é que fariam com que houvesse um maior desenvolvimento, e isto é explicado na sua obra chamado Clima e sociedade. Além desta teoria, ele defende a idéia de que os invernos rigorosos formaram o fator principal para o desenvolvimento das sociedades européias, principalmente no que diz respeito aos aspectos de estocagem de alimentos, abrigos, entre outros. Outro desdobramento da proposta de Ratzel manifestou-se na constituição da Geopolítica. Esta corrente, dedicada ao estudo da dominação dos territórios, partiu das colocações ratzelianas, referente à ação do Estado sobre o espaço. Os autores desenvolveram teorias e técnicas que legitimavam o imperialismo. Ou seja, as formas de se conquistar e manter os territórios. Entre esses autores, estavam Kjeilen, Mackinder e Haushofen. O primeiro criou o rótulo Geopolítica. Já o segundo, trouxe consigo temas e discussões a respeito dos domínios das rotas marítimas, as áreas de influência de um país e as relações internacionais. O último, um general alemão e presidente da Academia Germânica no seu governo, foi outro teórico da Geopolítica que deu um sentido bélico definindo-a como parte da estratégia militar. Ele desenvolveu teorias referentes à ação do clima sobre os soldados e criou uma escola que mais tarde influenciaria o Nazismo. Uma última perspectiva saída das formulações de Ratzel, fora conhecida como escola "ambientalista". Esta mais recente, não é considerada um ramo da Antropogeografia, embora tenha sido Ratzel o responsável formulador das suas bases. Esta corrente vai propor o estudo do homem em relação aos elementos do meio em que ele está inserido. O conjunto dos elementos naturais é abordado como o ambiente em que o homem vive. O ambientalismo representa uma visão determinista bastante atenuada, ou seja, a natureza é vista como um suporte da vida do ser humano e não como determinação. O ambientalismo se desenvolveu modernamente com o apoio da Ecologia. A idéia de estudar as relações dos organismos que coabitam determinado meio, já estava presente em Ratzel, devido a influência que sofreu de Haeckel, o primeiro formulador da Ecologia. Sendo assim, é notório que o desenvolvimento da Antropogeografia de Ratzel ajudou não só o interesse imperialista alemão de Bismarck, mas em entender as relações do meio com os seres humanos. Entender acima de tudo, a importância do meio em que vivemos, pode ajudar no desenvolvimento das sociedades não só daquela época, mas de sociedades que poderão vir. O que dignifica o trabalho de Ratzel, que veio a ser usado não só pelo governo alemão, é saber que se transformou numa das bases mais importantes para os estudos de outros ramos como a Ecologia, e que aumentou cada vez mais a necessidade de se aprender a lidar com o meio ambiente, que devido as inúmeras desenvolturas tecnológicas, vem mudando constantemente a sua face.
http://geografiadocpm.blogspot.com/2008/02/ratzel-e-sua-retrica-sobre-o-espao.html

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